VENDI MINHA CHANEL

 

channel grafico

Sempre acreditei na liberdade financeira, principalmente para mulheres, que historicamente estiveram subjugadas devido à dependência do pai, marido e/ou irmãos. Daí que nos meus 15 anos libertei o espírito empreendedor abrindo um salão de beleza nos fundos de casa. Em pura alquimia, elaborava fórmulas exclusivas de acordo com as queixas das clientes, que retornavam cada vez mais satisfeitas com os resultados. Logo estava conquistando mulheres mais exigentes, que, elegantemente vestidas, vinham com suas as belas bolsas Chanel a tiracolo. Foi assim que conheci a história da marca.

Coco Chanel, mulher visionária de alma rebelde e muito à frente de seu tempo, transcendeu sua origem humilde para eternizar um estilo minimalista, fluido, elegante, libertando as mulheres, no início do séc. XX, das barbatanas de ferro dos espartilhos. Desnecessário afirmar minha admiração por uma mulher que se imortalizou pela simplicidade de dizer a sua verdade e construiu um império que inclui alta costura, roupas, bolsas, sapatos, joias, acessórios, cosméticos e perfumes. Ou, como disse Karl Lagerfeld, “somente seu carisma explica isso”.

Passada quase uma década, meu salão precisava crescer. Precisava sair da “zona de conforto” e arriscar. Na capital, São Paulo, abri um novo salão no Morumbi, bairro nobre da cidade. Mas precisava entregar mais. Daí que também comecei a vender os meus cremes. Os pedidos de colegas cabeleireiros eram tantos, que meu filho, Alexandre, abandonou a faculdade de medicina, fundou comigo a Inoar e começou fazendo as entregas de moto. Não tínhamos mais como manter uma fabricação artesanal. Foi então, que de forma pioneira, criei um tratamento para os cabelos que deu início à jornada da nossa marca, uma escova redutora de volume, com menos danos e mais benefícios ao cabelo, e muito mais acessível que a escova japonesa, ícone na época.

Após este tremendo sucesso, viriam os produtos com óleos, especialmente o de argan, que são os clássicos da Inoar. O resto dessa história, por favor, continue lendo no site (www.inoar.com) porque este artigo é sobre a venda de minha bolsa Chanel.

Fã da marca, um dia eu comprei uma bolsa Chanel e, como muitas mulheres, acompanhava notícias dos lançamentos: novos modelos com materiais diversos que misturavam couro liso, plissado e enrugado com tweed, crochê, metal, toille bordado, jeans estampado e as tradicionais de matelassê com alças de corrente. Com acabamentos impecáveis e um logotipo de duas letras “C” entrelaçadas, que é um luxo de simplicidade.

A gente que trabalha com produtos de beleza acaba conectada com a moda e eu sempre estive atenta aos movimentos e tendências, é bastante natural no meio. Mas um dia tive um insight que mudaria a minha relação com as bolsas Chanel. E eu sei que até mesmo Gabrielle me perdoaria.

Longe de mim julgar o valor de um produto. Se tem alguém que sabe o quanto custa criar e produzir, esta sou eu. O mercado de luxo tem o seu valor e ele representa um setor da economia. O investimento em bolsas Chanel teve uma valorização acima da inflação nos Estados Unidos. O preço da etiqueta da bolsa teve um aumento próximo a 72% entre 2010 e 2015. Tal fato devia-se também, segundo a revista Vogue, à estratégia da maison de congelar os preços em seus pontos de venda ao redor do mundo desde 2014. Os dados apresentados eram resultados de uma pesquisa da Baghunter, especializada em mercado de luxo.

Então pensei no real valor daquela Chanel. Quando a comprei, ela valia um mês inteiro de pró-labore. Eu sabia disso, assinei aquele cheque. Mas você anda com uma Chanel pela cidade e então, olhando pela janela do carro, se dá conta de que ela vale a faculdade de duas filhas de um colaborador da sua empresa. Ela vale quantos meses de comida na mesa?

Então eu vendi a Chanel que me fez pensar nisso tudo. Continuei investindo meu dinheiro, meu tempo e meus sonhos em projetos que beneficiem outras tantas pessoas, pois nas minhas crenças é preciso olhar por cima do muro. É preciso abrir a porta, é preciso abraçar causas que, sozinhas, valem o preço de uma bolsa. E, só uma observação: continuo gostando muito das minhas bolsas e dessa marca criada por uma mulher corajosa e única.

O Estado, nas três esferas da administração pública, pouco faz além de suas práticas excludentes do direito aos bens da vida, do acesso à saúde, moradia, segurança, entre outras ausências de solução, mas eu acredito em um Brasil que tem jeito. Neste país que tem as técnicas artesanais que já chamaram a atenção de Levi’s, Dolce&Gabbana e Valentino. Num Brasil que tem Francisca Vieira, uma das dez mulheres do programa Woman and Trade da ONU e que levou as rendas do interior da Paraíba para o mundo conhecer.

Há milhares de projetos, sociais ou de valorização do nosso país, aguardando um incentivo Brasil afora. Projetos que, com investimentos pequenos, auxiliam na geração de renda e ocupação de muitas famílias. Nós, empresários, temos que refletir sobre nossa omissão na política que permitiu o país chegar à atual crise social política e econômica. Um país rico como Brasil, com uma diversidade étnica, cultural fantástica e de recursos naturais “abençoados por Deus”. Um país em que, como diz a música de Marcos Valle, “o mesmo pé que dança o samba se preciso vai à luta”, como vão todos os dias os trabalhadores em busca de seus sonhos. Como sempre fui, numa batalha cotidiana para construir, manter e crescer sem incentivo algum do Estado e na maioria das vezes sem auxílio do setor bancário e financeiro. Mas na briga estamos vencendo, crescendo e empregando por que o “amanhã mesmo que uns não queiram será de outros que esperam ver o dia raiar”. Viva Gabrielle Chanel, via Francisca Vieira!

Neste Brasil que acredito, as duas filhas do meu colaborador se formaram na faculdade. Quanto ao projeto “VENDI MINHA CHANEL”, objeto deste artigo, continuarei compartilhando e conto com a contribuição de todos vocês. O que vem aí é pura inovação.

 

Inocência Manoel – Fundadora da Inoar