
Escrevo hoje sobre o Nordeste por que no último post, África, algumas pessoas perguntaram se o Brasil também não tinha problemas tão ou imais complexos.
Interessante ver o Nordeste que explode em turismo com um marketing de alegria constante, e o nordeste do semiárido, da seca, da fome. A INOAR têm projetos para o Nordeste. Então, melhor começar a entender aquele universo “tão vasto e bonito”, miscigenado e sincrético. Nas primeiras buscas, e passado o carnaval, o que se vê são notícias alarmantes sobre o efeito da seca, que dura quase 7 anos.
Segundo o relatório do TCU, Fisc Nordeste, divulgado em 08/2017, a crescente desigualdade em relação ao resto do país deve-se a não regionalização de diretrizes, objetivos e metas para os programas de desenvolvimento do Plano Plurianual (PPA) do governo federal. O relatório aponta, ainda, que o Nordeste possui a maior proporção de benefícios federais, com cerca de 30,6% em relação ao PIB da Região, enquanto a média das demais é de 12,7%. Mas, a não transparência e a ausência de estratégias claras dos governos locais impede impactos positivos no desenvolvimento regional. O que se justifica, segundo o mesmo relatório, pelo não investimento em pesquisa e inovação, e pela ausência em diagnósticos capazes de identificar as reais demandas de políticas públicas. Em educação, por exemplo, 16% da população da região é analfabeta. Quase o dobro da média nacional, que está em 8%.
O que ocorre com os recursos “destinados” ao Nordeste? A seca é um fenômeno natural, e segundo a literatura, conhecido desde o séc. XVII. Embora hoje a seca no semiárido (região entre o Nordeste e o norte de Minas Gerais, conhecida como polígono das secas) apresente, de fato, o desgaste decorrente do uso inadequado por longos períodos, não pode ser tratada com amadorismo. É possível monitorar as chuvas, fazer projetos de irrigação, entre outras alternativas que mundo a fora tem obtido sucesso, como o caso de Israel e Arábia Saudita, que conseguiram adaptar a produção em desertos. A questão é que os projetos de buscam recursos para a seca, são superfaturados e construídos em propriedades privadas de grandes latifúndios.
O Brasil já teve êxito em políticas de redução do impacto da seca, inclusive premiados internacionalmente. É o caso do Programa “Um Milhão de Cisternas” no semiárido brasileiro, desenvolvido com recursos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), desde 2005 nos governos Lula e Dilma, primeiro mandato. O programa recebeu reconhecimento internacional com o Prêmio Sementes 2009, da Organização das Nações Unidas (ONU), concedido a projetos de países em desenvolvimento. O Programa das cisternas garantia o acesso à água por famílias de baixa renda da zona rural de cidades do semiárido. Maiores detalhes, veja: http://www.portalodm.com.br/noticia/107/programa-brasileiro-de-cisternas-ganha-premio-da-onu
Os relatórios da ONU apontam que a desertificação no mundo até 2030 chegará a níveis alarmantes, e que a escassez de água será um limitador real para produção de alimentos. E se já existe tecnologia e conhecimento científico para produção em regiões áridas, ou semiáridas como no caso do Brasil, e se o Banco do Nordeste recebe recursos federais para desenvolvimento na região, a seca passa a ser um problema sócio-político.
Quem está sendo beneficiado com tais recursos? Por anos o latifúndio tem sido beneficiado em detrimento de uma massa de pobreza que não acessa a água potável. O que se convencionou chamar “indústria da seca”. Estratégia de alguns segmentos das classes dominantes que se beneficiam indevidamente de subsídios e vantagens oferecidos pelo governo a partir do discurso político da seca. O termo começou a ser usado na década de 60 por Antônio Callado, jornalista que denunciava tais práticas no semiárido nordestino. –

A fome choca. Não há beleza. Apesar das belíssimas fotografias de Sebastião Salgado que denunciam à miséria humana em diversos lugares do mundo. Ou como disse o próprio Sebastião Salgado: “Eu acredito que uma pessoa comum pode ajudar muito, não doando bens materiais, mas participando, sendo parte da discussão, estando realmente preocupada sobre o que está acontecendo no mundo.”
E a foto acima bem poderia ser um prenuncio do “funeral de um lavrador”, poema que compõe o obra “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, musicada por Chico Buarque de Holanda: https://www.youtube.com/watch?v=opcTsEjRCCc
Tentando construir este texto, vi muitas matérias sobre a seca no Nordeste. O que realmente secou? Certamente não foram os recursos federais que há muito sustentam o latifúndio na eternização da “indústria da seca”. O que secou realmente foram as verbas antes aplicadas em políticas públicas de transferência de renda como o bolsa família e bolsa escola, e que de fato dinamizavam a economia da região, como reconhece à ONU. Tais programas tem impacto real na fome. O programa bolsa família é antes de mais nada um programa de segurança alimentar, e não uma política eleitoreira (embora possa ser usada com tal finalidade), como defendem alguns, inclusive nos altos escalões das três esferas do poder, beneficiados com auxílio moradia que varia entre R$ 3 a R$ 5 mil reais. Isso sim temos que mudar. Acabar com privilégios que “comem” boa parte do orçamento, reduzindo os recursos que deveriam ser aplicados em políticas públicas em benefício da população trabalhadora e, principalmente, a mais vulnerável na escala social.
Inocência Manoel – Fundadora INOAR Cosméticos
Fontes:
Seca e Poder – Entrevista com Celso Furtado – http://csbh.fpabramo.org.br/uploads/seca_e_poder.pdf
http://www.portaltransparencia.gov.br/planilhas/index.asp
https://pt.wikipedia.org/wiki/Seca_no_Brasil