
“O mundo nunca mais será o mesmo”, diz o relatório do Google divulgado em maio. “Nunca mais” tem um sentido de fim de uma ação. A frase que assusta muitos, também desperta curiosidade em outros, estimula a reflexão, inovações, alternativas. É o “fim” ou o “início”?
Tenho focado mais em refletir do que responder. Não há mais como pensar as coisas isoladas. As conexões são inevitáveis. A hiperconectividade nos ligou a quase tudo. São dados gerando dados através de múltiplos dispositivos. Tal disrupção decorrente das inovações tecnológicas é fascinantemente assustadora para algumas gerações. E por mais paradoxal que isto possa parecer a mudança de paradigma nos obriga a repensar as práticas sacralizadas. Seja de comportamento, consumo, crenças, enfim, tudo que compõe nossa visão de mundo. Esse é o desafio que, em certo sentido, também nos paralisa. Arriscar causa ansiedade, mas se deixarmos de arriscar também perderemos o sentido da existência que é evoluir, superar.
Minhas reflexões sempre apontam para o questionamento: enquanto empresária, o que posso fazer, ou como a empresa pode contribuir neste processo?
Estar engajada na Agenda 2030 da ONU, buscando implementar as Metas e atenta ao mote da campanha “não deixar ninguém para trás” tem me dado um caminho, uma certeza de que somente juntos aproveitaremos essa onda de inovações e ressignificaremos os impactos da experiência Covid-19. De fato, estávamos “surfando” ou mergulhados em diferentes plataformas como se pudéssemos negar o todo em que estamos inseridos. O impacto da Covid-19 pode atrasar em anos o cumprimento da Agenda, segundo Banco Mundial. Mas, algumas coisas são urgentes e possíveis se houver vontade política e articulação com os diferentes setores da sociedade civil organizada, pois “não deixar ninguém para trás” hoje é não deixar ninguém offline. No caso da educação no Brasil, por exemplo, quantos estudantes não conseguiram acompanhar as aulas online por não terem acesso à internet ou equipamentos (computador, notebook, celular, smart tv)?
A questão da inclusão digital é um tema central. Temos que pensar o acesso a redes digitais, o preço da banda larga no Brasil, entre outras ações onde avançaríamos “anos luz” para o desenvolvimento. Por que tudo no Brasil é superfaturado? Por que a necessidade constante de ganhar sobre a miséria e pobreza? Acesso à internet é um ponto básico da cidadania digital. E diferente do que dizem alguns “primeiro a fome”, sim, primeiro combater a fome. É vergonhoso para o ter 2,5% da população passando fome. Dados de 2016 (https://country-profiles.unstatshub.org/bra) que podem crescer na e pós pandemia.

Mas, ampliar o acesso à internet, à comunicação digital é estratégico. Quantas ações utilizando dados de rede impediram que a Covid-19 devastasse populações, como, por exemplo, as ações que monitoravam deslocamentos e aglomerações a partir do celular? Em que pese os aspectos de “invasão de privacidade” (o que também temos que discutir e garantir a partir da LGPD) o envio de mensagens diretas à população ou o monitoramento por órgãos públicos em muitos países auxiliou muito.
O combate à desigualdade, questão transversal aos 17 ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) da Agenda, passa também pelo o acesso à internet porque amplia a troca de saberes, troca de experiências, fiscaliza direitos e obrigações, principalmente as do Estado (mínimo para políticas públicas e máximo para grande capital). Afinal, se paga impostos para se ter serviços e atender toda população. Estamos cada vez mais digitais e um tanto ciborgues. O celular é quase nossa mão; os fones de ouvido estão virando brinco; nossas buscas ou interações na web vão construindo um perfil psicográfico etc. Tal complexidade, que não tenho pretensão de aqui descrever, mas pontuar alguns aspectos, abre um campo infinito de análises e cenários possíveis. Portanto, muitos relatórios, alguns bastante catastróficos, até porque o medo também impulsiona negócios e aumenta o controle social, agrupam dados complexos sem nenhum aprofundamento ou análise. Nesse sentido, o Relatório do Google é bastante interessante (acessei-o na íntegra), trazendo análises sociais, econômicas, de comportamento, consumo, entre outros aspectos.
Há um consenso: estamos em meio a mudanças sem precedentes históricos, mas, somente caminhando é que construiremos os caminhos e entenderemos o processo. O filme “O Século do Ego” (episódio 1: Máquinas da Felicidade), em contexto bastante diferente do agora, mostra como após Iª guerra o mundo se reinventou e formou o que conhecemos hoje como “sociedade de consumo”. E justamente sobre esse consumo teremos que repensar na perspectiva da sustentabilidade do planeta, das relações, da economia… Tema também amplo, que fica para próximo post.